Prémio Nacional do Artesanato, Grande Prémio Carreira atribuído a Firmino Adão Canhoto, fundador do Atelier Móveis d'Arte Canhoto
O Mestre Firmino Adão Canhoto, fundador do Atelier foi distinguido com o Prémio Nacional do Artesanato, Grande Prémio Carreira, pela trajetória como artesão que apresenta uma obra de excelência na arte de embutir a madeira e consolidada num período significativo de atividade.
Aqui neste vídeo o Mestre vem partilhar uma parte da sua história, com alguns eventos que o marcaram e com entusiasmo divulga esta notícia para os seus clientes e amigos. Partilhe estes momentos e ajude a celebrar uma carreira com obra presenteada e reconhecida, na nobre arte de trabalhar e embutir a madeira.
Nascido numa casa de pedra, a paredes meias com a oficina de um marceneiro, os primeiros sons que ouviu foi do martelar do formão na madeira, na pequena aldeia de Mêda, na Guarda. Das oficinas da Administração do Porto de Lisboa lançou-se com atelier próprio numa aldeia de Mafra. De transportar os móveis de burra para os vender, a leccionar em duas escolas em Lisboa e Sintra, à procura pelo seus móveis de luxo obrigando-o a deixar o ensino para satisfazer a demanda, aos seus filhos cativados à Arte Ebanista, prémios foram sido conquistados pela minúcia e atenção aos detalhes das peças de luxo que hoje faz... É agraciado e acarinhado com a distinção do Prémio Nacional de Artesanato, Grande Prémio Carreira. Diz ser saboroso o que lhe aconteceu, agradece, que está bem, e que lhe dá ainda mais força para continuar com ânimo a fazer mais... mas devagar, levando sempre à letra o ensinamento do seu mestre "Devagar... porque depressa e bem não há quem".
O Prémio Nacional do Artesanato tem por objetivo incentivar e promover as artes e ofícios artesanais, distinguindo
artesãos que se afirmem pela excelência do seu percurso, pelas competências técnicas e profissionais e pelos resultados
alcançados, seja na vertente das produções artesanais tradicionais, seja no chamado artesanato de matriz
contemporânea.
"As peças do Mestre Firmino distinguem-se pelo luxo e elevada minúcia nos embutidos, respeitando os materiais e técnicas ancestrais, criando deste modo peças extraordinárias de mobiliário artesanal português, na sua maioria em séries limitadas, numeradas, assinadas e com segredos, por isso também é conhecido pelo Mestre dos Segredos..."
... no vídeo...
Olá a todos, o meu nome é Firmino Adão Canhoto
Nasci em 1943 numa pequena aldeia da Beira Alta, em Aveloso, Mêda.
Tinha como vizinho o Mestre Quirino que era um carpinteiro muito famoso e que penso hoje que os primeiros sons que ouvi deve ter sido o Mestre a bater com o maço no formão para cortar a madeira. Acho que foi daí que me veio a paixão que ainda hoje tenho de trabalhar a madeira, que ela é dócil, é fácil de trabalhar. Da madeira fazem-se coisas preciosas...
Depois ainda em criança ia para a oficina do Mestre Quirino e comecei a juntar as aparas, em jeito de brincadeira, para meter dentro de um caldeiro, no dito caldeiro se fazia um furo por baixo, largava-se o fogo e era uma forma de as oficinas naquela época aquecerem, porque a zona era muito fria.
Depois, sempre brincando na oficina do Mestre o meu pai achou que... aliás naquela altura um rapaz que tivesse uma profissão era uma coisa... é como se hoje andássemos na faculdade, e então o meu pai propôs ao Mestre Quirino para eu aprender a oficina de carpinteiro. Pagava o meu pai na altura, pagava em cereal, porque se pagava para aprender, não sei já... sei que pagava em centeio mas já não sei precisar qual era a quantidade que o meu pai pagava... o meu pai era o moleiro.
Eu estudava naquela altura e trabalhava. Ou seja, como é que eu estudava e trabalhava? A minha professora, a professora Joaquina morava numa aldeia ao lado. Quando ela não podia vir dar aulas devido a muita neve, então o meu pai aproveitava, porque o meu pai dizia “o trabalho de menino é pouco mas quem o perde é louco”... ele pôs-me logo a aprender na oficina a aprender a arte de carpinteiro. E assim comecei com 11 anos a trabalhar a madeira.
Eu gostava já agora de dizer qual foi a primeira peça de mobiliário que o meu Mestre me propôs fazer... era como que um exame... então propôs-me fazer um banco mocho, que é este banco que tenho aqui à minha frente, que tem tantos anos quantos eu tenho de profissão, 66 anos. O homem gostou tanto da peça tosca que eu fiz mas que é uma peça que é muito utilizada, sempre foi ao longo dos tempos, muito utilizada nas marcenarias. Então disse “olha rapaz, sim senhor, gostei muito da peça que tu fizeste e até te vou oferecer uma coisa, vou-te oferecer uma preciosidade, uma serra de traçar” que é esta que eu tenho aqui, que tem muito mais do que os 66 anos. Guardo como muito carinho esta peça, esta serra, que é uma coisa muito especial.
Entretanto depois os meus pais mudaram-se de Aveloso para o Monte da Caparica e ali continuei a, não só a fazer a 4ª classe, mas o meu pai depois arranjou-me um emprego, hoje chama-se função pública, na Administração Geral do Porto de Lisboa. Ali comecei a trabalhar nas oficinas já com bons Mestres, nomeadamente o Mestre Escaravana, que era um casapiano, um grande Mestre e muito famoso. Então ele achou que também tinha jeito para a marcenaria e pôs-me a fazer... sempre que aparecia na oficina móveis para fazer que fossem complicados tinham que sobrar para mim, e ainda bem que sobravam para mim porque assim fui-me especializando nesta arte de Ebanista, que é traduzido para os dias de hoje é Marceneiro de Arte.
Este banco que está aqui herdei de um outro Mestre, o Mestre José Clímaco. Este banco que está aqui, que tem seguramente mais de 100 anos, custou 750 escudos... imaginem...
Depois fui cumprir o serviço militar para Angola e no regresso vim morar aqui para uma pequena aldeia de Aboboreira, no concelho de Mafra, onde tinha a minha pequenina oficina, quase que o banco não cabia lá dentro! Não conhecia aqui ninguém, as pessoas não mandavam fazer móveis de arte, então tive que começar a fazer móveis mosqueteiros. E o que é isto? Eram pequenos armários com uma rede mosqueteira onde as pessoas guardavam o queijo, o chouriço, porque não havia frigoríficos.
Mas na Aboboreira também ninguém me comprava nada, então tive que ir da Aboboreira para a Freiria a vender móveis, mas como não tinha transporte nenhum, então pedi a uma senhora minha amiga que me emprestásse uma burra. E era em cima da burra que eu, por essas várzeas, ia até à Freiria. Um dia a burra caiu, acabou por cair num ribeiro e eu molhei os móveis todos... vejam bem as voltas que a vida dá...
Perguntar-me-ão como é que eu comecei dos móveis toscos mosqueteiros, que eram os frigoríficos da época para os móveis de luxo que hoje fazemos... comecei também... foi através dos restauros que eu fui aprendendo muitas técnicas e então agarrei nessas técnicas de Mestres antigos e adaptei-as para... nomeadamente fazer os malhetes de rabo de andorinha, fazer os... segurar melhor as madeiras, portanto foi aí que comecei a … e também tem aqui uma coisa, não foi só por começar a aprender a fazer malhetes e etc, mas foi também e sobretudo que pelos anos que determinado móvel tinha e que eu achava que ao restaurar aquele móvel se o fizesse bem feito estava a respeitar os Mestres que o fizeram.
Então todas estas técnicas fui aprendendo, trouxe-as para os dias de hoje e começamos então a fazer móveis de luxo. E isto principalmente, muito principalmente nos dias de hoje com a ajuda preciosa do meu filho João e da minha filha Carla.
Depois a Dra. Simoneta Luz Afonso que era a pessoa responsável pelo Palácio da Ajuda, ao ter conhecimento desta minha profissão, convidou-me para ir, a mim e ao meu filho dar aulas no Instituto José de Figueiredo, onde leccionámos durante vários anos a cadeira de Marcenaria Artística. Antes disso também já tinha estado na Escola de Conservação e Restauro, através da Câmara de Sintra, em Cabriz.
Mas devido a que depois a procura pelos nossos móveis começou a ser muita tive que deixar o ensino e dedicar-me mais aqui à oficina.
Nos meus 77 anos de vida, já passei por muita coisa... e como se isso não bastasse, hoje temos o COVID...
Mas nem tudo são más notícias, eu encontro-me bem, a minha família também e espero que aqueles que estão a ver este vídeo também se encontrem bem.
Eu queria partilhar convosco algo de muito saboroso que me aconteceu recentemente: Foi-me atribuído Prémio Nacional de Artesanato, na categoria de Grande Prémio Carreira.
Queria agradecer muito, em primeiro lugar à minha família, à minha esposa, ao meu filho João e à minha filha Carla, porque de facto são eles... é graças a eles que cheguei até aos dias de hoje com esta grande paixão de continuar a fazer móveis de luxo.
Mas também não posso esquecer, de um modo particular os meus clientes, que são eles a razão principal desta profissão e até desta família, também àqueles que não conhecendo pessoalmente mas que conhecendo os meus trabalhos, quiseram também votar em mim e de um modo particular também, desculpem esta particularidade mas também ao júri que me atribui este prémio.
Quase a terminar quero dizer mais uma vez que me sinto bem, que este prémio veio dar muita força, muita animação, veio me dar tudo para que eu continue a fazer cada vez mais móveis de luxo, mais e melhor, mas... devagar, porque o meu Mestre dizia-me, quando lá na oficina eu queria fazer as coisas à pressa para ele ficar contente comigo, ele diz-me esta frase “Rapaz, devagar... porque depressa e bem, não há quem” e isso tenho trazido até aos dias de hoje. Esta frase nunca vou esquecê-la porque era a frase que aqui nós não queremos fazer muita coisa, o que queremos fazer é bem feito, bem feito para durar muitos anos.
E a terminar, um bem haja a todos, fiquem bem e olhe... até breve!